23 setembro 2013

É Primavera -


É Primavera




Os sinais eram inequívocos. Aquelas nuvens baixas, escuras... O vento que soprava desde a véspera, arrancando das árvores folhas amarelas e vermelhas. É, está chegando o inverno. Deveria nevar. Viriam então a tristeza, as árvores peladas, a vida recolhida para funduras mais quentes, os pássaros já ausentes, fugidos para outro clima, e aquele longo sono da natureza, bonito quando cai a primeira nevada, triste com o passar do tempo... Resolvi passear, para dizer adeus às plantas que se preparavam para dormir, e fui, assim, andando, encontrando-as silenciosas e conformadas diante do inevitável, o inverno que se aproximava. E foi então que me espantei ao ver um arbusto estranho. Se fosse um ser humano, certamente o internariam num hospício, pois lhe faltava o senso da realidade, não sabia reconhecer os sinais do tempo.


. Lá estava ele, ignorando tudo, cheio de botões, alguns deles já abrindo, como se a primavera estivesse chegando. Não resisti e, me aproveitando de que não houvesse ninguém por perto, comecei a conversar com ele. Perguntei se não percebia que o inverno estava chegando, que os seus botões seriam queimados pela neve naquela mesma tarde. 
Argumentei sobre a inutilidade daquilo tudo, um gesto tão fraco que não faria diferença alguma. Dentro em breve tudo estaria morto...E ele me falou, naquela linguagem que só as plantas entendem, que o inverno de fora não lhe importava, o seu era um ritmo diferente, o ritmo das estações que havia dentro. Se era inverno do lado de fora, era primavera lá dentro dele, e seus botões eram um testemunho da teimosia da vida que se compraz mesmo em fazer o gesto inútil. As razões para isso? Puro prazer. [...] 
E me lembrei de uma velha tradição de Natal, ligada à árvore. As famílias levavam arbustos para dentro de suas casas. E ali, neve por todas as partes, elas o faziam florescer, regando-os com água aquecida. Para que não se esquecessem de que, em meio ao inverno, a primavera continua escondida em alguma parte.
(Rubem Alves)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário