04 dezembro 2014

O amor em qualquer idade


Está em cartaz nos cinemas brasileiros um filme delicado, bem dirigido e com uma temática atualíssima: o amor. O amor na maturidade. O amor capaz de tudo para surpreender e alimentar os sonhos de uma vida inteira. Elsa e Fred.
Elsa, interpretada por Shirley MacLaine, é uma mulher romântica que mistura ficção com realidade (é mais elegante dizer assim do que falar que, não poucas vezes, ela mente) e que sonha em recriar a clássica cena de "A Doce Vida", de Frederico Fellini, na Fontana di Trevi. É mãe protetora. É mulher apaixonada. Entrega-se à vida e aos seus encantamentos. Fred, interpretado por Christopher Plummer, é um homem ainda de luto pela recente viuvez. Pacato. Hipocondríaco. Para Elsa, cada dia, é uma oportunidade de viver. Para ele, é só mais um dia. Essa história de amor começa com a mudança de Fred, a contragosto, para um apartamento arranjado pela filha que gostaria de tomar conta do pai. Estão os dois no mesmo prédio, Elsa e Fred. E, depois de um pequeno acidente, acabam se encontrando. Totalmente diferentes, vão se completando pelas surpresas que a vida oferece e pela capacidade de reinventar a própria história.
Elsa está doente, com gravidade. Fred quer dar a ela a oportunidade de realizar seu sonho de entrar na Fontana di Trevi, em Roma, revivendo Anita Ekberg e Marcello Mastroianni, no filme de Fellini, que marcou a história do cinema.
Além de estar em cartaz nos cinemas, essa refilmagem do longa argentino de 2005, dirigido e roteirizado por Marcos Carnevale, está também no teatro com dois atores geniais: Suely Franco e Umberto Magnani. A história é a mesma. Há momentos muito divertidos. Suely leva a plateia às gargalhadas. E há momentos profundamente emocionantes e educativos. A relação da mãe com os filhos e a do pai com a filha rendem boas reflexões.
É interessante como vêm fazendo sucesso essas histórias de amor que quebram os clichês do mocinho e da mocinha jovens, lindos, perfeitos. Talvez isso aconteça porque o público se identifica com essas histórias, tão próximas da vida real. Todos queremos alimentar a esperança de que não deixaremos de amar quando os tempos da juventude já tiverem se despedido.
Palavras de amor
As palavras contagiam. E os sentimentos vividos por personagens do cinema e da literatura permanecem conosco. Nos minutos seguintes e pelo resto dos nossos dias. Mesmo que inconscientemente. E a literatura, assim como a dramaturgia, nos presenteia com histórias de amor vividas durante a melhor idade. Em “Carta a D.”, André Gorz, autor de tratados sobre filosofia e sociologia, escreveu sobre o amor pela sua esposa, Dorine. Em suas páginas, vemos o amor de uma vida inteira transformar-se em palavras tão belas quanto o sentimento que as inspira. “Eu gostava da sua fragilidade superada, admirava sua força frágil. Nós éramos, eu e você, filhos da precariedade e do conflito. Fomos feitos para nos proteger mutuamente contra ambos, e precisávamos criar juntos, um pelo outro, o lugar no mundo que originalmente nos tinha sido negado. Para isso, no entanto, seria necessário que o nosso amor fosse também um pacto para a vida inteira.”
Depois de quase sessenta anos juntos, Gorz reconstrói a história dos dois nesta carta, endereçada a D. e a todos os que amam. Este livro não é mais uma história bonita entre duas pessoas que se amam. É um verdadeiro tratado sobre o mais nobre e transformador dos sentimentos humanos. As páginas avançam permeadas de afeto, de reflexões, de cumplicidade, de magnetismo. De amor de verdade. E como tudo o que é verdadeiro, o amor de André Gorz e de Dorine desafia o tempo, suas destemperanças, e nos contagia mostrando uma nova face desse sentimento. A sua beleza na maturidade.
As cartas também exerceram um papel importante na união de um casal clássico da literatura universal. Em “O amor nos tempos de cólera”, do mestre do realismo mágico, Gabriel García Márquez, Florentino apaixona-se por Fermina e, após um longo período de troca de correspondências, declara seu amor por ela. A vida não permitiu que essa união fosse selada durante a juventude. Mas o amor venceu o tempo, e Florentino esperou sua “deusa coroada” por 51 anos. O tempo é sempre generoso com quem o respeita. Com quem reconhece que não existe hora certa para viver uma história de amor. Com quem descobre que o amor é ainda mais belo na maturidade e que sempre é tempo para findar o tempo das ausências.

“Elsa & Fred” nos cinemas:
Dirigido por Michael Radford. Com Shirley MacLaine e Christopher Plummer, interpretando Elsa e Fred, respectivamente.

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