01 fevereiro 2015

Ode a Mário de Andrade


“São glórias desta cidade
Ver a arte contando história...” (Mário de Andrade)
Sem a beleza da senhora Palavra, as tardes de quinta-feira não seriam tão generosas comigo. Há uma década, tenho a honra de desfrutar, na Academia Paulista de Letras, espetáculos grandiosos de sabedoria. No tradicional encontro dos Acadêmicos, a prosa faz reverências às nossas origens com reflexões que resgatam o sentido primeiro das palavras, as vozes poetizam as verdades, as memórias são desveladas, ora com dor ora com amor, e a sabedoria faz-se dona dos momentos de leveza. Das horas de descuido, como diria Guimarães Rosa. Enlevo-me. Admiro. Aprendo. Ensino. A Academia vive, e seus moradores são artífices engenhosos e brilhantes de sua majestade, a Palavra. Representantes das Letras. Gigantes da generosidade. 

Neste enredo, como uma grande família, em nossa casa do Largo do Arouche, respiramos diversidade e convergência. Em cada cadeira que ocupamos, resgata-se uma história eternizada por enlaces culturais. Das diferenças, nasce o aprendizado. Aquele que permanece em nosso olhar. Filho mais novo, sinto-me privilegiado por renascer nessa fonte. Tão fecunda. E desafiado na função de gerenciar os sonhos dessa família. Ilustre. Digna. Amorosa.
Inicio essa jornada como presidente da Academia Paulista de Letras como intuito de multiplicar o que resgatamos desse convívio. Abrir as portas da Academia, do espaço que herdamos dos antigos confrades, das histórias vistas e vividas ali, tesouros à espera de curiosidades. A Academia dos paulistas, de todos os paulistas, inaugura o novo ano, em prosa e em poesia, para que todos possam vivenciar o que, há mais de 100 anos, nós, Acadêmicos, compartilhamos: cultura, conhecimento, amizade, encantamento. 
2015, um ano em homenagem a Mário de Andrade
Na próxima quinta-feira, dia 05 de fevereiro, inauguraremos o Ano Literário 2015. Para esse encontro, convidaremos para a prosa o Acadêmico Mário de Andrade e sua eterna vanguarda. Mário, nosso confrade, deixou-nos há 70 anos, mas a audácia e o espírito renovador de sua arte permanecem em seus livros, em sua história, em sua vida. Vida que Mário amava viver, conforme confessou a Drummond, “Tudo está em gostar da vida e saber vivê-la. Só há um jeito feliz de viver a vida: é ter espírito religioso. Explico melhor: trata-se de ter espírito religioso pra com a vida, isto é, viver com religião a vida. Eu sempre gostei muito de viver, de maneira que nenhuma manifestação da vida me é indiferente.” 
Mário que já havia se imortalizado nas linhas das Pauliceias Desvairadas e nas geniais desventuras de Macunaíma passou a ocupar a cadeira no3 da Academia Paulista de Letras, em 1934. São inúmeros os artigos, nas edições da “Revista da Academia Paulista de Letras”, que delineiam as características desse homem audacioso, artista de muitas artes. Em uma dessas páginas, sua pluralidade. Em uma carta escrita em 1944, Mário revela ao confrade René Thiollier:” (...) você deve estar lembrado que já uma vez eu quis me retirar da Academia por me reconhecer incapaz dela. Eu não tomo posse. Por que não tomo? Porque não tomo. Não tenho jeito, sou infenso a academias, e cada vez estou mais bicho do mato, malcriado, aceitando mil convites e faltando a todos. Eu gosto da “nossa” Academia, isso gosto. Mas sou assim, me xingo, mas fico assim.” 
É esse nosso Mário de Andrade. Homem de genialidades, que ousa imaginar-se incapaz de ser acadêmico. Que rompe barreiras narrativas e lexicais. Que norteia, ainda, os que vivem da literatura. Professor a que tantos de nossos escritores submetiam seus fazeres literários: “É preciso colocar responsabilidade humana nos escritos”, alertava. Coerente na irreverência. O paulista e paulistano que distribuiu, em vida e em versos, partes de seu corpo a cada canto desta imensa e arlequinal cidade. São Paulo, comoção de sua vida. É esse Mário que estará presente em nossos encontros. Nos encontros dos Acadêmicos e nos encontros que a “casa” dos paulistas no Largo do Arouche, proporcionará a todos que se alimentam de cultura. Sigamos com seu espírito, Mário. Contestador. Transgressor do trânsito pacífico das artes. Das letras. Da vida. 

”Minha casa…
Tudo caiado de novo!
É tão grande a manhã!
É tão bom respirar!
É tão gostoso gostar da vida!…”
(Mário de Andrade)

Academia Paulista de Letras
Largo do Arouche, 312/ 324
República, São Paulo
Telefone: 3331.7222
www.academiapaulistadeletras.org.br

Principais obras de Mário de Andrade
Pauliceia Desvairada
Lira Paulistana
Amar, Verbo Intransitivo
Macunaíma
Contos Novos

Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | 01/02/2015 | Foto: Jorge de Castro (divulgação)

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