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Mostrando postagens com o rótulo Cora Coralina

MULHER DA VIDA

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Mulher da Vida, Minha irmã. De todos os tempos. De todos os povos. De todas as latitudes. Ela vem do fundo imemorial das idades e carrega a carga pesada dos mais torpes sinônimos, apelidos e ápodos: Mulher da zona, Mulher da rua, Mulher perdida, Mulher à toa. Mulher da vida, Minha irmã.’ (Poemas de Goiás e Estórias Mais, p.201, 1996)

Há 30 anos morria a poetisa Cora Coralina

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Há 30 anos Cora nos deixou. / Foto: Divulgação. Estadão Conteúdo Maria Fernanda Rodrigues Uma das poetisas mais queridas do Brasil, Cora Coralina morreu há 30 anos, em 10 de abril de 1985, em decorrência de complicações pulmonares. Nascida Ana Lins de Guimarães Peixoto Bretas em agosto de 1889, meses antes da proclamação da república, ela começou a escrever muito cedo, antes dos 15 anos. Contudo, só foi publicar seu primeiro livro, Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, em 1965 - depois de casar, trocar sua Vila Boa de Goiás natal por São Paulo, criar quatro filhos, enviuvar, vender linguiça, banha, doce e livro. Àquela altura, já era uma senhora de 75 anos. À obra com a qual estreou na literatura pela José Olympio, seguiram-se outras duas: Meu Livro de Cordel (1976) e Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha (1983). Publicaria mais um volume, Estórias da Casa Velha da Ponte, previsto para 1984, mas ela estava cansada.  Muitos outros livros foram publicados ao

Mascarados

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Saiu o Semeador a semear Semeou o dia todo e a noite o apanhou ainda com as mãos cheias de sementes. Ele semeava tranqüilo sem pensar na colheita porque muito tinha colhido do que outros semearam. Jovem, seja você esse semeador Semeia com otimismo Semeia com idealismo as sementes vivas da Paz e da Justiça. Cora Coralina O poema acima, inédito em livro, foi publicado pelo jornal "Folha de São Paulo" — caderno "Folha Ilustrada", edição de 04/07/2001.

O cântico da terra

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Eu sou a terra, eu sou a vida. Do meu barro primeiro veio o homem. De mim veio a mulher e veio o amor. Veio a árvore, veio a fonte. Vem o fruto e vem a flor. Eu sou a fonte original de toda vida. Sou o chão que se prende à tua casa. Sou a telha da coberta de teu lar. A mina constante de teu poço. Sou a espiga generosa de teu gado e certeza tranqüila ao teu esforço. Sou a razão de tua vida. De mim vieste pela mão do Criador, e a mim tu voltarás no fim da lida. Só em mim acharás descanso e Paz. Eu sou a grande Mãe Universal. Tua filha, tua noiva e desposada. A mulher e o ventre que fecundas. Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor. A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu. Teu arado, tua foice, teu machado. O berço pequenino de teu filho. O algodão de tua veste e o pão de tua casa. E um dia bem distante a mim tu voltarás. E no canteiro materno de meu seio tranqüilo dormirás. Plantemos a roça. Lavremos a gleba. Cuidemos do ninho, do gado e da tulha. Fartura teremos e donos de sít

Assim eu vejo a vida

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A vida tem duas faces: Positiva e negativa O passado foi duro mas deixou o seu legado Saber viver é a grande sabedoria Que eu possa dignificar Minha condição de mulher, Aceitar suas limitações E me fazer pedra de segurança dos valores que vão desmoronando. Nasci em tempos rudes Aceitei contradições lutas e pedras como lições de vida e delas me sirvo Aprendi a viver. Cora Coralina

ANINHA E SUAS PEDRAS

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Não te deixes destruir... Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas. Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça. Faz de tua vida mesquinha um poema. E viverás no coração dos jovens e na memória das gerações que hão de vir. Esta fonte é para uso de todos os sedentos. Toma a tua parte. Vem a estas páginas e não entraves seu uso aos que têm sede. Cora Coralina  (Outubro, 1981)

Conclusões de Aninha

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Estavam ali parados. Marido e mulher. Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roça tímida, humilde, sofrida. Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado seu rancho, e tudo que tinha dentro. Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar   novo rancho e comprar suas pobrezinhas.   O homem ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula,   entregou sem palavra. A mulher ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou, se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar E não abriu a bolsa. Qual dos dois ajudou mais? Donde se infere que o homem ajuda sem participar   e a mulher participa sem ajudar. Da mesma forma aquela sentença: "A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar." Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada, o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscoso e ensinar a paciência do pescador. Você faria isso, Leitor? Antes que tudo isso se fizesse o desvalido não morreria de fome? Conclusão: Na prática, a teoria é outra. Cora Coralina

Velho Sobrado

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Um montão disforme. Taipas e pedras, abraçadas a grossas aroeiras, toscamente esquadriadas. Folhas de janelas. Pedaços de batentes. Almofadados de portas. Vidraças estilhaçadas. Ferragens retorcidas. Abandono. Silêncio. Desordem. Ausência, sobretudo. O avanço vegetal acoberta o quadro. Carrapateiras cacheadas. São-caetano com seu verde planejamento, pendurado de frutinhas ouro-rosa. Uma bucha de cordoalha enfolhada, berrante de flores amarelas cingindo tudo. Dá guarda, perfilado, um pé de mamão-macho. No alto, instala-se, dominadora, uma jovem gameleira, dona do futuro. Cortina vulgar de decência urbana defende a nudez dolorosa das ruínas do sobrado - um muro.  Fechado. Largado. O velho sobrado colonial de cinco sacadas, de ferro forjado, cede. Bem que podia ser conservado, bem que devia ser retocado, tão alto, tão nobre-senhorial. O sobradão dos Vieiras cai aos pedaços, abandonado. Parede hoje. Parede

ANTIGUIDADES

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Quando eu era menina bem pequena, em nossa casa, certos dias da semana se fazia um bolo, assado na panela com um testo de borralho em cima. Era um bolo econômico, como tudo, antigamente. Pesado, grosso, pastoso. (Por sinal que muito ruim.) Eu era menina em crescimento. Gulosa, abria os olhos para aquele bolo que me parecia tão bom e tão gostoso. A gente mandona lá de casa cortava aquele bolo com importância. Com atenção. Seriamente. Eu presente. Com vontade de comer o bolo todo. Era só olhos e boca e desejo daquele bolo inteiro. Minha irmã mais velha governava. Regrava. Me dava uma fatia, tão fina, tão delgada... E fatias iguais às outras manas. E que ninguém pedisse mais ! E o bolo inteiro, quase intangível, se guardava bem guardado, com cuidado, num armário, alto, fechado, impossível. Era aquilo, uma coisa de respeito. Não pra ser comido assim, sem mais nem menos. Destinava-se às visitas da noite, certas ou imprevistas. Detestadas da meninada. Criança, no meu tempo de

TODAS AS VIDAS

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Vive dentro de mim   uma cabocla velha   de mau-olhado,   acocorada ao pé do borralho,   olhando pra o fogo.   Benze quebranto.   Bota feitiço...   Ogum. Orixá.   Macumba, terreiro.   Ogã, pai-de-santo...   Vive dentro de mim   a lavadeira do Rio Vermelho,   Seu cheiro gostoso   d’água e sabão.   Rodilha de pano.   Trouxa de roupa,   pedra de anil.   Sua coroa verde de são-caetano.   Vive dentro de mim   a mulher cozinheira.   Pimenta e cebola.   Quitute bem feito.   Panela de barro.   Taipa de lenha.   Cozinha antiga   toda pretinha.   Bem cacheada de picumã.   Pedra pontuda.   Cumbuco de coco.   Pisando alho-sal.   Vive dentro de mim   a mulher do povo.   Bem proletária.   Bem linguaruda,   desabusada, sem preconceitos,   de casca-grossa,   de chinelinha,   e filharada.   Vive dentro de mim   a mulher roceira.   – Enxerto da terra,   meio casmurra.   Trabalhadeira.   Madrugadeira.   Analfabeta.   De pé no chão.   Bem parideira.   Bem criadeira.   Seus doze filhos.   Seus vinte

CORA CORALINA, QUEM É VOCÊ?

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Sou mulher como outra qualquer. Venho do século passado e trago comigo todas as idades. Nasci numa rebaixa de serra Entre serras e morros. “Longe de todos os lugares”. Numa cidade de onde levaram o ouro e deixaram as pedras. Junto a estas decorreram a minha infância e adolescência. Aos meus anseios respondiam as escarpas agrestes. E eu fechada dentro da imensa serrania   que se azulava na distância longínqua. Numa ânsia de vida eu abria O vôo nas asas impossíveis do sonho. Venho do século passado. Pertenço a uma geração ponte, entre a libertação dos escravos e o trabalhador livre. Entre a monarquia caída e a república   que se instalava. Todo o ranço do passado era presente. A brutalidade, a incompreensão, a ignorância, o carrancismo. Os castigos corporais. Nas casas. Nas escolas. Nos quartéis e nas roças. A criança não tinha vez, Os adultos eram sádicos aplicavam castigos humilhantes.  Tive uma velha mestra que já havia ensinado uma geração antes da minha. Os métodos