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Mostrando postagens de novembro 16, 2014

O último voo do poeta

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Nosso poeta Manoel de Barros voou. Estamos comovidos, em silêncio, buscando ouvir o último ruflar de suas asas. Nosso poeta desejou tanto usar “palavras de ave para escrever”; mas cometeu muito mais do que isso: suas palavras se fizeram asas para além do voo. E permanecem no ar, ora soltas, ora em frases, desafiando-nos a capturá-las. O poeta, que nasceu menino, partiu menino. Fez de sua maturidade a sua segunda infância; uma vida em poesia. Fez de sua arte um brinquedo. Despojado de regras e convenções, descontruiu a linguagem, poetizou a natureza e o mundo, vestiu de singeleza as palavras. Fez da vida sua arte de simplicidade. Dizia que sua poesia era difícil de ser compreendida, embora fosse feita com palavras simples. Muitos não entendiam essa declaração. Mas é preciso fazer-se criança para compreender. Admirar-se. Encantar-se. Desinventar-se.   Manoel de Barros nasceu às margens de um rio, cresceu menino do mato e amigo do silêncio. A palavra sempre foi seu jogo predile...

O filho da mãe

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A mãe é cozinheira em casa de família. Não pensa em aposentadoria, embora esteja perto dos 70 anos. Gosta do que faz. O filho único é advogado. Estudou em uma universidade particular paga pela mãe. Formado há alguns anos, tem clientes importantes. Veste-se bem. Mora em um bom apartamento. A mãe preferiu ficar no seu canto. Um canto distante do trabalho e da vida do filho. Não reclama. Comenta que o transporte público está melhorando. No percurso, tem tempo para pensar, para rezar, para agradecer a Deus por sua vida. Ficou viúva muito nova. Com um problema sério na coluna, quase morreu no único parto. Resistiu e resiste às dores que surgem. Sem lamentos, sem queixumes. O filho não a visita muito. Diz que falta assunto, que vivem em mundos diferentes. Ele é casado, e a esposa acha estranho ter uma sogra cozinheira. E não acha bom que os filhos convivam com a avó. “Muito rústica”, na opinião da nora. Conheci essa cozinheira. Sua patroa é um encanto e foi ela quem me contou a hi...

Belos cabelos brancos

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Conheci duas senhoras numa missa. Logo que cheguei, uma delas me abriu um sorriso, dando-me boas vindas. Disse que eu era lindo. Eu retribuí. Ela disse que já era velha. Respondi que a beleza não se esvai com o tempo. Ela concordou, sorrindo, e me informou que ia completar 93 anos. A amiga já fizera 90. Contou-me que toma meia taça de vinho tinto toda noite por sugestão médica. A de 90 disse que faz o mesmo. A de 93 reagiu, dizendo que ela tomava a taça inteira e que ocultava isso do médico. A amiga riu e explicou que nem tudo deve ser dito. Uma pessoa, no banco de trás, tossiu. A senhora de 93 ofereceu uma pastilha. Explicou-me que sempre carrega pastilhas para aliviar sua tosse e a dos outros. A missa começou. A 1a leitura era do Livro da Sabedoria sobre a honra da velhice: "mas os cabelos brancos são uma vida sensata. A de 90 olhou para a de 93 e disse, baixinho: "Viu? Estão falando da gente!". E brincou: “E eles nem sabem que disfarçamos a brancura dos cabelo...