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A primavera ( última parte)

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Um passo incerto e absolutamente contraditório ás razões mais ocultas do coração conduziram-me aos braços do filho  mais velho de Estevão Bittencourt. Quem me dera extrair coragem, a mesma que convencia a terra árida a deixar-se colmar de cores, e unir meu canto ao canto das cigarras ressurretas para gritar em alto e bom som que o meu coração já tinha dono, e que eu gostaria de trocar a grandeza do filho mais velho pela fraqueza do filho mais moço. Haveria algum problema para meu pai? Só trocaria um pelo outro. Eu me casaria do mesmo jeito. As consequências, saberias vivê-las com imensa felicidade. A vida simples, a casa de aluguel, a necessidade de trabalhar para ajudar Alberto com as despesas. Duas ou três mudas de roupa, as mãos grossas, o cansaço ao fim do dia. A vida, e  só . O amor completa os espaços. Supre as carências, suplanta os temores.   Mas a coragem não veio. O sim entre dentes confirmou minha covardia e desde então a desesperança tornou-se minha companhia de toda ho

A primavera (2° parte)

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O mais velho era advogado renomado. O mais novo ocupava o seu tempo como atendente da Tabacaria Domênica. Sempre que podia, eu arriscava atravessar a Rua Domingos de Freitas para observar as miudezas da vitrine. Era ali que nossos olhos se encorajavam para o pecado do encontro. Não havia dissimulação. A vitrine nos nos congregava. Era como se ele tivesse o poder de nos proteger da culpa. Não havia palavra. Dizíamos tudo com os olhos. Eu pedia perdão por não ter coragem de enfrentar meu pai. Ele perdoava. Ele pedia que eu compreendesse a sua incapacidade de trair seu irmão. Eu compreendia. Eu jurava amá-lo até o fim dos meus dias. Ele confirmava o juramento.   Numa manhã de sexta-feira, dia em que a alma parece querer mais que o comum de todos os dias, Alberto surpreendeu-me com um gesto quase cheio de voz. Vendo que eu atravessava a rua para ficar diante da vitrine da tabacaria, correu, estendeu  os braços para dentro da vitrine e retirou um retalho de tecido, deixado á amostra um c

A primavera (1° Parte)

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Eles eram dois. O mais velho era também o mais robusto, o mais vistoso, o mais alto, trajava roupas de acabamento fino, pisava o chão com sapatos visivelmente caros e demonstrava intimidade com as palavras. O mais novo era também o mais tímido. O corte do terno não merecia atenção. Nele, um mínimo de palavras. O olhar baixo, quase sem expressão. As mãos no desajeito, mãos sem pertences, sem futuro feliz e as pernas num balanço descompassado, denunciando que não gostariam  de ter chegado.O sapato era sem nem um atrativo estático. Um sapato feito para durar e só. O mais velho tinha bigodes. O mais novo não. A cara limpa lhe conferia um jeito de rapaz que ainda não sabia o que esperar da vida. O bigode do outro lhe trazia uma seriedade que parecia garantir a prontidão para o casamento. Talvez seja por isso que papai o tenha escolhido para ser meu marido. Numa tarde de domingo, quando os ventos frios prolongavam o sepultamento das cigarras, chegou e anunciou que eu me casaria com o filho

O garoto das meias Vermelhas

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Ele era um garoto triste. Procurava estudar muito. Na hora do recreio ficava afastado dos colegas, como se estivesse procurando alguma coisa. Todos os outros meninos zombavam dele, por causa das suas meias vermelhas. Um dia, o cercaram e lhe perguntaram porque ele só usava meias vermelhas. Ele falou, com simplicidade: "no ano passado, quando fiz aniversário, minha mãe me levou ao circo". Colocou em mim essas meias vermelhas. Eu reclamei. Comecei a chorar. Disse que todo mundo iria rir de mim, por causa das meias vermelhas. Mas ela disse que tinha um motivo muito forte para me colocar as meias vermelhas. Disse que se eu me perdesse, bastaria ela olhar para o chão e quando visse um menino de meias vermelhas, saberia que o filho era dela." "Ora", disseram os garotos. "mas você não está num circo. Por que não tira essas meias vermelhas e as joga fora?" O menino das meias vermelhas olhou para os próprios pés, talvez para disfarçar