A chave de nossas lembranças
Gosto de conversar com as pessoas. Gosto muito.
Preocupo-me com um tempo em que pessoas gastam parte significativa da vida com máquinas e se esquecem do significado de “gastar tempo” com outras pessoas. Olhos fitos no celular. Mensagens. Redes sociais. Jogos. Avidez pelo mundo virtual. E quase nenhuma palavra com quem está ao lado.
Gosto de conversar com as pessoas. Repito. E gosto de ouvir suas histórias. Momentos, partidas, encontros. Lágrimas de nossas dores. Paixão. Dores de um amor não correspondido. Cicatrização. E, de novo, a esperança. E, de novo, a dor. Temos a chave de nossas lembranças e o poder de revisitá-las. O tempo passa e permanece dentro de nós.
Lembro-me de minha infância, de minha pequena cidade e das famílias sentadas na calçada em dias quentes. Não havia ar-condicionado, não havia internet, a televisão não ocupava nosso tempo. A violência não nos frequentava. Na praça, sempre havia música. Íamos à missa e, na saída, conversávamos sem pressa.
Presentes? No natal e no aniversário. Hoje, os quartos dos filhos são repletos deles, sem nenhum valor afetivo. Têm todo tipo de computador. Mas há ausência de pais contadores de histórias, de conversas reais, de pessoas que “gastem tempo” com pessoas.
Se não compreendermos a importância da simplicidade na convivência cotidiana, as lembranças de nossos filhos estarão recheadas de jogos virtuais e de um mundo que, embora fascinante, não tem a essencialidade do contato real.
Não sou contra o avanço tecnológico e confesso ser admirador desse universo. Uso as mídias sociais para propagar minhas crenças e aprender com os amigos que frequentam meu "quintal tecnológico". Mas não abro mão do meu quintal real. De falar e ouvir.
Se os fogões a lenha, que faziam com que o preparo de nosso alimento desse um significado especial ao nosso tempo, não existem mais, existamos nós, presentes na vida e na lembrança futura dos nossos. Gosto de conversar com as pessoas.
Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo)
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