Shakespeare, Juca, Lear

Que Shakespeare é um genial leitor da alma humana, capaz de transformar em textos intrigas, dramas – vícios e virtudes do ser humano –, ninguém duvida. Que Juca de Oliveira é um mestre dos palcos e das telas, um ator que se reinventa a cada personagem para cumprir o compromisso com a essência de sua vida – ser operário da arte – é mais do que sabido.
E Lear, o Rei? Texto desafiador. Parece que foi escrito ontem. Trata de temas que nos incomodam hoje. Uma luta em que os vícios da vaidade, da ingratidão, do egoísmo parecem suplantar a virtude da sabedoria. Mas talvez o intento de Shakespeare seja exatamente o oposto. Mostrar o quanto erramos quando "envelhecemos sem ficarmos sábios". O Rei comunica às três filhas que quer se aposentar. E que vai dividir o poderoso reino entre elas; para isso, quer ouvir as melhores declarações de reconhecimento de sua grandeza. Quer alimentar sua vaidade. Duas filhas fazem o jogo do pai e o engordam de elogios. A mais nova, a sincera, a que o amava de verdade não aceita fazer parte da trama. O pai, furioso, a renega e a expulsa. Divide o reino apenas com as duas que, depois de terem o poder, se cansam do velho pai. É a filha mais nova que vem salvá-lo. Assim segue a história. E Juca opta pela esperança no desenlace da trama.
A vaidade é um vício que emburrece. Perdemos o senso de nós mesmos. Acreditamos no poder que não temos. Permitimos aos aduladores a façanha do engodo. E nos esquecemos da transitoriedade da vida. "Somos pó e ao pó haveremos de voltar". É esta a arma contra a vaidade: a sabedoria. Aristóteles ensina que o último degrau da sabedoria é a humildade. Virtudes que nos alimentam do que somos, que nos nutrem de felicidade e nos ensinam a viver. No cotidiano das escolhas corretas, no valor aos afetos desinteressados, no exercício nobre do pensar. Ver Juca interpretando vários personagens de Lear, em um monólogo surpreendente, nos comove e nos move. O futuro existe.
Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 25/7/2014

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