Nita e Paulo Freire, um livro sobre o amor


Nita Freire nos presenteou com os detalhes cotidianos do apaixonado Paulo Freire. Conta que estavam os dois vivendo o luto da despedida. Ela havia enviuvado, depois de um casamento de quase 30 anos. Ele havia perdido Elza, de quem fora cúmplice de sonhos e afagos durante 42 anos. Encontraram-se nos desencontros. Encantaram-se.
Os relatos trazem a adolescência da paixão nos anos de maturidade. Não há idade para amar. Nita revigora uma frase corriqueira na vida de Paulo Freire: "eu optei por viver". Bilhetes em cardápios de avião, em guardanapos. Poemas lidos com vagar nos telefonemas apaixonados, quando estavam distantes. Paulo, o patrono da educação brasileira, era um homem romântico. Com as mulheres que amou e com as causas que abraçou.
No pouco convívio que tive com Paulo Freire, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o que mais me chamava atenção era o seu "gostar de viver". Não pode ser educador quem não gosta de viver. Gostar de viver é permitir que o encantamento do encontro revele-se aos aprendizes e os prepare para os encontros tantos que a vida há de proporcionar. Fala Paulo Freire em esperança, em autonomia, em tolerância, em boniteza. A vida é bonita, mesmo diante das feiuras que insistimos em construir. “A vida é bonita, é bonita e é bonita”, cantava o poeta Gonzaguinha que ficava “com a pureza da resposta das crianças". Paulo Freire é puro, sem ser ingênuo. É crente, sem ser estreito. É livre, sem ser descompromissado. Conquistou os educadores do Brasil e de tantos outros cantos do mundo. Do quintal de sua pequena Jaboatão aos quintais do mundo, sua curiosidade buscou, incansavelmente, caminhos de justiça para a concretização de seu sonho maior: uma educação igualitária. Foi criticado por aqueles que não compreenderam a dimensão dos seus ditos, o protagonismo da sua aspiração. Mas encarava com leveza: “Nita, não importa o que fazem com o que digo e com o que penso e faço. Se me distorcem, o problema não é meu, é de quem o faz!”. Críticos, há por todos os lados; Paulo Freire, não. É único. E é nosso, um brasileiro.
Queria ele uma educação libertadora. Que desse a todos as condições para o desenvolvimento do seu talento. Sem discriminação. Sem exclusão. Defendia os professores como multiplicadores dessa boa nova que é a educação. A que forma as gentes, a que prepara para os fatos corretos. Nita nos revela que Paulo Freire foi um eterno menino, até o momento de sua morte: “Paulo nunca quis perder sua alegria-menina e sua enorme tolerância com relação a fragilidades humanas. Em certos momentos, pensei que seria importante chamar-lhe a atenção sobre esse jeito sem limites de generosidade de entrega aos outros e outras, aliás, devo reconhecer, uma de suas maiores virtudes, mas ele não me dava ouvidos.” . Um homem sério, com a alma inocente e a boa fé de um menino.
Quando participo, hoje, de congressos internacionais e vejo tantas teses atuais sobre a prática educativa, sobre o sonho de uma educação para todos, sobre o amor pelo ofício de professor, lembro-me, com orgulho e respeito, de Paulo Freire. O homem que amava as coisas do povo. O homem da antevisão. Disse tanto. Fez tanto. E jamais negligenciou a responsabilidade de cuidar das pessoas. Educar é isto. É não desistir nunca do outro.
Descrição
Nós dois é um convite aos leitores de Paulo Freire e de Nita Freire, para que conheçam um pouco mais sobre a vida e a história de amor do casal. Uma reunião de cartas, bilhetes, fotos que nos ajuda a reconstruir a trajetória de encantamento que uniu os dois. Uma experiência que merece ser dividida para que mais pessoas percebam o quanto uma união calcada no respeito e na admiração pode transformar duas vidas.
Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 02/11/2014

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