O filho da mãe

A mãe é cozinheira em casa de família. Não pensa em aposentadoria, embora esteja perto dos 70 anos. Gosta do que faz. O filho único é advogado. Estudou em uma universidade particular paga pela mãe. Formado há alguns anos, tem clientes importantes. Veste-se bem. Mora em um bom apartamento. A mãe preferiu ficar no seu canto. Um canto distante do trabalho e da vida do filho. Não reclama. Comenta que o transporte público está melhorando. No percurso, tem tempo para pensar, para rezar, para agradecer a Deus por sua vida. Ficou viúva muito nova. Com um problema sério na coluna, quase morreu no único parto. Resistiu e resiste às dores que surgem. Sem lamentos, sem queixumes.
O filho não a visita muito. Diz que falta assunto, que vivem em mundos diferentes. Ele é casado, e a esposa acha estranho ter uma sogra cozinheira. E não acha bom que os filhos convivam com a avó. “Muito rústica”, na opinião da nora.
Conheci essa cozinheira. Sua patroa é um encanto e foi ela quem me contou a história do filho. Por acaso, eu também o conheço. Um dia nos encontramos em uma universidade e disse a ele que conhecera sua mãe. Ele corou, constrangido. Pediu-me que perdoasse a simplicidade dela. E buscou todo tipo de desculpas por ter nascido em um lar tão acanhado. Ouvi com tristeza e tentei ajudá-lo. Falei de meu pai que conheci empresário, mas que, antes, fora servente de escola e feirante, e que era profundamente simples. Disse que foi ele o maior mestre que tive na vida. Quisera eu ter a mansidão, a generosidade, a sabedoria de meu pai! Ele ouviu e falou que gostaria muito de tê-lo conhecido. Eu não desperdicei a oportunidade, "Sabe que sua mãe lembra muito meu pai?".
Não os encontrei mais, mas conheço histórias semelhantes. Filhos que se envergonham dos pais, porque frequentam ambientes requintados, têm amigos importantes etc. Tristes árvores que negam as raízes. Sentimentos mesquinhos de quem pouco entende de sentimentos. Saudade de meu pai!
Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 14/11/2014

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