A primavera (1° Parte)
Eles eram dois. O mais velho era também o mais robusto, o mais vistoso, o mais alto, trajava roupas de acabamento fino, pisava o chão com sapatos visivelmente caros e demonstrava intimidade com as palavras. O mais novo era também o mais tímido. O corte do terno não merecia atenção. Nele, um mínimo de palavras. O olhar baixo, quase sem expressão. As mãos no desajeito, mãos sem pertences, sem futuro feliz e as pernas num balanço descompassado, denunciando que não gostariam de ter chegado.O sapato era sem nem um atrativo estático. Um sapato feito para durar e só.
O mais velho tinha bigodes. O mais novo não. A cara limpa lhe conferia um jeito de rapaz que ainda não sabia o que esperar da vida. O bigode do outro lhe trazia uma seriedade que parecia garantir a prontidão para o casamento. Talvez seja por isso que papai o tenha escolhido para ser meu marido. Numa tarde de domingo, quando os ventos frios prolongavam o sepultamento das cigarras, chegou e anunciou que eu me casaria com o filho mais velho de Estevão Bittencourt. Disse que o rapaz voltaria de São Paulo para arrumar uma mulher que lhe dispensasse os cuidados de esposa.Eu ouvi a notícia calada e calada permaneci por uma semana.
Dois meses depois, quando o calor de agosto ardia nas cores vermelhas das tardes e intimidava minhas caminhadas pelo coreto da matriz, o dito rapaz chegou e trouxe o irmão mais novo, Alberto.
Quando os dois homens cruzaram a soleira da porta principal, senti as carnes se desprenderem dos meus ossos; sensação que parecia antecipar o destino de ser imaterial, de perder-me nas poeiras do mundo. O olhar perdido, sem distinção e ainda cheio de dúvidas, durou um minuto. Eu olhava os dois e não sabia qual deles seria meu marido. Embora o mais velho fosse portador de uma postura avantajada e ocupasse a centralidade da sala, os meus olhos se ocuparam foi do mais moço, o mais franzino, que timidamente encostou o corpo na cristaleira próxima da janela da sala.
O sorriso do mais velho falou no mesmo instante que as palavras de meu pai . Os meus olhos porém, estavam perdidos em Alberto que ao seu modo, também me olhava. Um olhar quase triste, assustado, como se percebesse a fatalidade que parecia ter o seu início ali. Fatalidade em partes, dia a dia, prolongada no tempo.
O mais alto dirigiu-se até mim e gentilmente beijou-me a mão. No gesto de abaixar com cavalheirismo, pude ver os olhos de Alberto que, posicionado na mesma direção de seu irmão, parecia emprestar-lhe o rosto. O corpo que se abaixava dava espaço para eu ver os olhos que me fascinavam. Enquanto eu recebia o beijo de um, o coração desejava o beijo do outro.
Eles eram dois o coração era um só. Inciso, experimentava naquela fração de tempo a totalidade de um amor sem história pregressa. Um amor maturado mas sem passado. Inaugurado há tão pouco tempo e já fadado á desgraça que marcou os grandes amores que a humanidade já conheceu. - É possível amar alguém assim, com tanta pressa? - pensei. Mas que não havia pensamento a ser racionalizado. O que havia era o frio na espinha anunciando que a vida era eterna naquele instante.
" O que havia era o coração descompassado, querendo pular do peito, pronto para morrer de tanto amar"
Naquela noite o mais velho oficializou o pedido ao meu pai. E enquanto os cumprimentos de congratulações aconteciam, pude perceber a enfermidade nos lábios de Alberto. Dele nem uma palavra se ouviu. Entrou mudo. Calado saiu. Eu também não disse nada. Os dias se passaram. Acumularam-se os meses. Com regularidade, o irmão mais velho vinha cortejar-me. Cumpria-se a obrigação do namoro, o tempo reservado ao conhecimento que nos autoriza o passo definitivo.
Não houve conhecimento algum. Apenas a dor de saber-me só. Um beijo de chegada e outro de despedida. Um beijo sem alma, sem profundidade. Apenas o roçar dos lábios em exercício de caridade. Nem um toque me despertava os sentidos. Meu corpo preservado não sabia desejar aqueles braços fortes. Eles suplicavam era pelo encosto suave das nãos de Alberto.
Trecho do conto "A primavera"
Livro: Mulheres de Aço e de flores
Autor: Padre Fábio de Melo
O mais velho tinha bigodes. O mais novo não. A cara limpa lhe conferia um jeito de rapaz que ainda não sabia o que esperar da vida. O bigode do outro lhe trazia uma seriedade que parecia garantir a prontidão para o casamento. Talvez seja por isso que papai o tenha escolhido para ser meu marido. Numa tarde de domingo, quando os ventos frios prolongavam o sepultamento das cigarras, chegou e anunciou que eu me casaria com o filho mais velho de Estevão Bittencourt. Disse que o rapaz voltaria de São Paulo para arrumar uma mulher que lhe dispensasse os cuidados de esposa.Eu ouvi a notícia calada e calada permaneci por uma semana.
Dois meses depois, quando o calor de agosto ardia nas cores vermelhas das tardes e intimidava minhas caminhadas pelo coreto da matriz, o dito rapaz chegou e trouxe o irmão mais novo, Alberto.
Quando os dois homens cruzaram a soleira da porta principal, senti as carnes se desprenderem dos meus ossos; sensação que parecia antecipar o destino de ser imaterial, de perder-me nas poeiras do mundo. O olhar perdido, sem distinção e ainda cheio de dúvidas, durou um minuto. Eu olhava os dois e não sabia qual deles seria meu marido. Embora o mais velho fosse portador de uma postura avantajada e ocupasse a centralidade da sala, os meus olhos se ocuparam foi do mais moço, o mais franzino, que timidamente encostou o corpo na cristaleira próxima da janela da sala.
O sorriso do mais velho falou no mesmo instante que as palavras de meu pai . Os meus olhos porém, estavam perdidos em Alberto que ao seu modo, também me olhava. Um olhar quase triste, assustado, como se percebesse a fatalidade que parecia ter o seu início ali. Fatalidade em partes, dia a dia, prolongada no tempo.
O mais alto dirigiu-se até mim e gentilmente beijou-me a mão. No gesto de abaixar com cavalheirismo, pude ver os olhos de Alberto que, posicionado na mesma direção de seu irmão, parecia emprestar-lhe o rosto. O corpo que se abaixava dava espaço para eu ver os olhos que me fascinavam. Enquanto eu recebia o beijo de um, o coração desejava o beijo do outro.
Eles eram dois o coração era um só. Inciso, experimentava naquela fração de tempo a totalidade de um amor sem história pregressa. Um amor maturado mas sem passado. Inaugurado há tão pouco tempo e já fadado á desgraça que marcou os grandes amores que a humanidade já conheceu. - É possível amar alguém assim, com tanta pressa? - pensei. Mas que não havia pensamento a ser racionalizado. O que havia era o frio na espinha anunciando que a vida era eterna naquele instante.
" O que havia era o coração descompassado, querendo pular do peito, pronto para morrer de tanto amar"
Naquela noite o mais velho oficializou o pedido ao meu pai. E enquanto os cumprimentos de congratulações aconteciam, pude perceber a enfermidade nos lábios de Alberto. Dele nem uma palavra se ouviu. Entrou mudo. Calado saiu. Eu também não disse nada. Os dias se passaram. Acumularam-se os meses. Com regularidade, o irmão mais velho vinha cortejar-me. Cumpria-se a obrigação do namoro, o tempo reservado ao conhecimento que nos autoriza o passo definitivo.
Não houve conhecimento algum. Apenas a dor de saber-me só. Um beijo de chegada e outro de despedida. Um beijo sem alma, sem profundidade. Apenas o roçar dos lábios em exercício de caridade. Nem um toque me despertava os sentidos. Meu corpo preservado não sabia desejar aqueles braços fortes. Eles suplicavam era pelo encosto suave das nãos de Alberto.
Trecho do conto "A primavera"
Livro: Mulheres de Aço e de flores
Autor: Padre Fábio de Melo
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