O Primeiro telefonema do céu
A semana em que tudo começou
No dia em que o mundo recebeu o primeiro telefonema do céu, Tess
Rafferty tentava, sem sucesso, abrir uma caixa de chá em saquinhos.
Trimmm!
Ela ignorou o toque e enfiou as unhas no invólucro de celofane.
Trimmm!
Com o indicador, atacou a emenda, na lateral da caixa.
Trimmm!
Conseguiu, afinal, fazer uma pequena abertura, rasgou o celofane
e amassou-o na palma da mão. Sabia que a ligação cairia na
secretária eletrônica se não atendesse antes de mais um...
Trimmm!
– Alô?
Tarde demais.
– Tsc, que saco – resmungou para si mesma.
Ouviu o clique da máquina no balcão da cozinha e o início da
saudação: “Olá, aqui é a Tess. Deixe seu nome e telefone e eu ligarei
assim que puder. Obrigada.”
Um bipe curto soou. Depois, Tess ouviu chiados. Em seguida:
– É a mamãe... Tenho uma coisa pra lhe dizer.
Tess ficou sem fôlego. Deixou o celofane cair.
Sua mãe tinha morrido havia quatro anos.
A Trimmm!
O segundo telefonema quase não foi ouvido por conta de uma
acalorada discussão na delegacia de polícia. Um funcionário tinha
sido premiado na loteria com 28 mil dólares e três agentes discutiam
o que fariam se ganhassem uma quantia daquelas.8
– A melhor coisa é pagar as contas.
– Isso é exatamente o que não se deve fazer.
– Comprar um barco!
– Pagar as contas!
– Eu não acho.
– Comprar um barco!
Trimmm!
Jack Sellers, o chefe de polícia, dirigiu-se ao seu pequeno
escritório.
– Se pagar as contas, você vai apenas acumular novas – argumentou.
Os homens continuavam a discutir quando ele pegou o telefone.
– Departamento de Polícia de Coldwater, Sellers falando.
Chiado. Em seguida, uma jovem voz masculina:
– Pai? É o Robbie.
De repente, Jack já não conseguia ouvir os outros homens.
– Que brincadeira é essa?
– Estou bem, pai. Não se preocupe comigo, certo?
Jack sentiu o estômago se contrair. Pensou na última vez em
que vira o filho, com a barba feita e o cabelo cortado ao estilo
militar, desaparecer após passar pelo controle de segurança do
aeroporto, a caminho de sua terceira missão.
Sua última missão.
– Não pode ser você – murmurou Jack.
A Blim-blom!
O pastor Warren enxugou a saliva do queixo. Ele tirava um
cochilo no sofá da Igreja Batista Colheita da Esperança.
Blim-blom!
– Já estou indo!
Levantou-se com dificuldade. A igreja instalara uma campainha
na porta de sua sala porque, aos 82 anos, sua audição piorava a
cada dia.9
Blim-blom!
– Pastor, é Katherine Yellin. Abra depressa, por favor!
Com passo vacilante, ele foi até a porta e abriu-a.
– Olá, Ka...
Mas ela já havia passado por ele, com o casaco abotoado pela
metade, os cabelos ruivos desgrenhados, como se tivesse saído
de casa às pressas. Sentou-se no sofá, levantou-se nervosamente,
depois voltou a sentar.
– Por favor, acredite: não estou maluca.
– Não, minha cara...
– Diane me telefonou.
– Quem?
– Diane.
A cabeça de Warren começou a doer.
– Sua falecida irmã ligou para você?
– Hoje de manhã. Atendi o telefone...
Ela apertou a bolsa e começou a chorar. Warren perguntou a si
mesmo se deveria chamar alguém para ajudá-lo.
– Ela disse para eu não me preocupar – continuou Katherine,
com voz rouca. – Falou que estava em paz.
– Foi um sonho, então?
– Não! Não! Não foi um sonho! Eu falei com minha irmã!
Lágrimas escorriam pelas suas faces mais depressa do que ela
conseguia enxugar.
– Já falamos sobre isto, Katherine.
– Eu sei, mas...
– Você sente saudades...
– Sinto...
– E fica transtornada.
– Não, pastor! Ela disse que está no céu... O senhor não entende?
Katherine abriu um sorriso bonito, do tipo que Warren jamais
vira em seu rosto.
– Não tenho medo de mais nada – falou.10
A Brimmm!
Uma campainha de segurança soou e o pesado portão do presídio
deslizou para o lado. Sullivan Harding, um homem alto e
de ombros largos, avançou a passos lentos, com a cabeça baixa.
Tinha o coração acelerado, não pela excitação da liberdade, mas
pelo receio de que alguém pudesse puxá-lo para dentro de novo.
Em frente. Em frente. Manteve os olhos fixos no bico dos
sapatos. Só os levantou quando ouviu um ruído se aproximar no
cascalho – passos leves e rápidos.
Jules.
Seu filho.
Sentiu dois braços pequenos ao redor de suas pernas. Enfiou as
mãos nos cabelos encaracolados do menino. Viu seus pais – a mãe
com um casaco corta-vento azul-marinho, o pai com um terno
marrom-claro –, os rostos abatidos enquanto se uniam em um abra-
ço coletivo. O dia estava frio e cinzento e a rua estava escorregadia
por causa da chuva. Só sua esposa não participava daquele momento,
embora sua ausência fosse como um personagem entre eles.
Sullivan gostaria de dizer algo profundo, mas tudo o que saiu de
seus lábios foi um sussurro:
– Vamos embora.
Instantes depois, o carro em que estavam desapareceu na rua.
Foi nesse dia que o mundo recebeu seu primeiro telefonema
do céu.
O que aconteceu depois depende do tamanho da fé de cada um.

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