Tempos estranhos
Vivemos
tempos estranhos. Essa frase talvez tenha sido dita, inclusive, em
outros tempos, quando também houve estranhamentos na ação humana. Mas é
sobre os tempos de hoje que escrevo, que lamento, que me preocupo.
Tempos descartáveis. Jogamos fora pessoas e suas biografias.
Descompromissados com a verdade, buscamos o poder a qualquer custo.
Atacamos o outro, desprovidos de um dos mais nobres sentimentos, a
compaixão.
Tempos violentos. As mortes de cristãos na Líbia representam os horrores dos fanatismos religiosos que se sucedem em tantas outras partes do planeta.
A violência também está dentro das casas. Violência simbólica e física. Mulheres continuam sendo espancadas, violentadas, agredidas em sua dignidade. Assim também as crianças que têm a inocência roubada por usurpadores de futuro.
Tempos barulhentos. Gostamos dos mais diversos sons, menos do som do pensamento. Ouvimos barulhos de todos os lados. Desligamo-nos da realidade. Ligamos ou nos comunicamos com os outros pelas mais distintas maneiras e não nos comunicamos com nós mesmos. A ausência de pensamento nos leva a errar muito mais.
Zygmunt Bauman, contemporâneo sociólogo polonês, alerta-nos sobre os laços humanos que se deterioram em função das novas tecnologias: preferimos investir nossas esperanças em ‘redes’ em vez de parcerias, esperando que em uma rede sempre haja celulares disponíveis para enviar e receber mensagens de lealdade.
Tempos hipócritas. Representamos papéis. Fingimos ser o que não somos para angariar alguma simpatia. Usamos máscaras para que outras pessoas nos aplaudam. Fazemos não o que é correto, mas o que parece agradar mais gente. Mudamos de discurso de acordo com a plateia. Alteramos o tom de voz dependendo de quem está por perto.
Tempos interesseiros. Aproximamo-nos das pessoas quando elas têm algo a nos oferecer. Adulamos, se necessário for, para ganhar o que almejamos. Nada desperdiçamos com quem nada tem a nos oferecer.
Tempos egoicos. Pensamos pouco ou quase nada nos outros. Mergulhamos em nossos desejos mais primitivos e nos esquecemos de que somos seres de convivência, animais sociais, de que dependemos uns dos outros. A avareza é um dos piores vícios que pode ter um ser humano. Trancafiarmo-nos em nós mesmos com receio de que levem algo de nós é um desperdício de tempo e de intenção.
“O direito do Outro à sua estranheza é a única maneira pela qual meu próprio direito pode expressar-se, estabelecer-se e defender-se. É pelo direito do Outro que meu direito se coloca. “Ser responsável pelo outro” e “ser responsável por si mesmo” vêm a ser a mesma coisa.” (Bauman)
Em outros tempos, constatações como essas devem ter sido feitas, mas nos nossos tempos há um agravante, a sociedade do espetáculo tem um ampliador de resultados. Comunicamo-nos com maior facilidade e, com maior facilidade, somos capazes de espalhar mentira, de arruinar pessoas e pensamentos.
Se as brincadeiras toscas contra crianças inocentes já eram danosas, imagine o que acontece com o cyberbulying? Se as fofocas de antigamente causavam dor, o que não causam os milhares ou milhões de acessos de vídeos ou textos produzidos para destruir alguém?
A inteligência nos levou a atingir patamares inimagináveis. E o que fazemos com essas conquistas?
Tempos de respeito é o que precisamos. De compreensão do nosso poder de construir ou de destruir.
Tempos de delicadeza, de cordialidade, de convivência pacífica com os nossos desejos e com as nossas ações.
O que nos faz bem? A perversidade ou a generosidade? O ódio ou o amor?
Prefiro o sabor das utopias ao amargor de conspirações contra o outro. Ninguém sai dessas ações impunemente.
“As relações humanas não são mais espaços de certeza, tranquilidade e conforto espiritual. Em vez disso, transformaram-se numa fonte prolífica de ansiedade. Em lugar de oferecerem o ambicionado repouso, prometem uma ansiedade perpétua e uma vida em estado de alerta. Os sinais de aflição nunca vão parar de piscar, os toques de alarme nunca vão parar de soar.” (Bauman)
Tempos de reflexão. É o que precisamos. Ou tempos de inquietação diante do quanto teremos que fazer para construir os tempos de paz.
Tempos de paz. Não podemos desistir nunca. Mesmo que pareçamos ir na direção contrária. Os tempos de amanhã dependem dos resistentes, dos apaixonados, de nós.
Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 26/04/2015
Tempos violentos. As mortes de cristãos na Líbia representam os horrores dos fanatismos religiosos que se sucedem em tantas outras partes do planeta.
A violência também está dentro das casas. Violência simbólica e física. Mulheres continuam sendo espancadas, violentadas, agredidas em sua dignidade. Assim também as crianças que têm a inocência roubada por usurpadores de futuro.
Tempos barulhentos. Gostamos dos mais diversos sons, menos do som do pensamento. Ouvimos barulhos de todos os lados. Desligamo-nos da realidade. Ligamos ou nos comunicamos com os outros pelas mais distintas maneiras e não nos comunicamos com nós mesmos. A ausência de pensamento nos leva a errar muito mais.
Zygmunt Bauman, contemporâneo sociólogo polonês, alerta-nos sobre os laços humanos que se deterioram em função das novas tecnologias: preferimos investir nossas esperanças em ‘redes’ em vez de parcerias, esperando que em uma rede sempre haja celulares disponíveis para enviar e receber mensagens de lealdade.
Tempos hipócritas. Representamos papéis. Fingimos ser o que não somos para angariar alguma simpatia. Usamos máscaras para que outras pessoas nos aplaudam. Fazemos não o que é correto, mas o que parece agradar mais gente. Mudamos de discurso de acordo com a plateia. Alteramos o tom de voz dependendo de quem está por perto.
Tempos interesseiros. Aproximamo-nos das pessoas quando elas têm algo a nos oferecer. Adulamos, se necessário for, para ganhar o que almejamos. Nada desperdiçamos com quem nada tem a nos oferecer.
Tempos egoicos. Pensamos pouco ou quase nada nos outros. Mergulhamos em nossos desejos mais primitivos e nos esquecemos de que somos seres de convivência, animais sociais, de que dependemos uns dos outros. A avareza é um dos piores vícios que pode ter um ser humano. Trancafiarmo-nos em nós mesmos com receio de que levem algo de nós é um desperdício de tempo e de intenção.
“O direito do Outro à sua estranheza é a única maneira pela qual meu próprio direito pode expressar-se, estabelecer-se e defender-se. É pelo direito do Outro que meu direito se coloca. “Ser responsável pelo outro” e “ser responsável por si mesmo” vêm a ser a mesma coisa.” (Bauman)
Em outros tempos, constatações como essas devem ter sido feitas, mas nos nossos tempos há um agravante, a sociedade do espetáculo tem um ampliador de resultados. Comunicamo-nos com maior facilidade e, com maior facilidade, somos capazes de espalhar mentira, de arruinar pessoas e pensamentos.
Se as brincadeiras toscas contra crianças inocentes já eram danosas, imagine o que acontece com o cyberbulying? Se as fofocas de antigamente causavam dor, o que não causam os milhares ou milhões de acessos de vídeos ou textos produzidos para destruir alguém?
A inteligência nos levou a atingir patamares inimagináveis. E o que fazemos com essas conquistas?
Tempos de respeito é o que precisamos. De compreensão do nosso poder de construir ou de destruir.
Tempos de delicadeza, de cordialidade, de convivência pacífica com os nossos desejos e com as nossas ações.
O que nos faz bem? A perversidade ou a generosidade? O ódio ou o amor?
Prefiro o sabor das utopias ao amargor de conspirações contra o outro. Ninguém sai dessas ações impunemente.
“As relações humanas não são mais espaços de certeza, tranquilidade e conforto espiritual. Em vez disso, transformaram-se numa fonte prolífica de ansiedade. Em lugar de oferecerem o ambicionado repouso, prometem uma ansiedade perpétua e uma vida em estado de alerta. Os sinais de aflição nunca vão parar de piscar, os toques de alarme nunca vão parar de soar.” (Bauman)
Tempos de reflexão. É o que precisamos. Ou tempos de inquietação diante do quanto teremos que fazer para construir os tempos de paz.
Tempos de paz. Não podemos desistir nunca. Mesmo que pareçamos ir na direção contrária. Os tempos de amanhã dependem dos resistentes, dos apaixonados, de nós.
Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 26/04/2015
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