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Ode a Mário de Andrade

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“São glórias desta cidade Ver a arte contando história...” (Mário de Andrade) Sem a beleza da senhora Palavra, as tardes de quinta-feira não seriam tão generosas comigo. Há uma década, tenho a honra de desfrutar, na Academia Paulista de Letras, espetáculos grandiosos de sabedoria. No tradicional encontro dos Acadêmicos, a prosa faz reverências às nossas origens com reflexões que resgatam o sentido primeiro das palavras, as vozes poetizam as verdades, as memórias são desveladas, ora com dor ora com amor, e a sabedoria faz-se dona dos momentos de leveza. Das horas de descuido, como diria Guimarães Rosa. Enlevo-me. Admiro. Aprendo. Ensino. A Academia vive, e seus moradores são artífices engenhosos e brilhantes de sua majestade, a Palavra. Representantes das Letras. Gigantes da generosidade.  Neste enredo, como uma grande família, em nossa casa do Largo do Arouche, respiramos diversidade e convergência. Em cada cadeira que ocupamos, resgata-se uma história eternizad...

Ele disse bom-dia

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Frequento, há algum tempo, uma academia de ginástica  do meu bairro. As pessoas que lá trabalham são extremamente competentes e simpáticas. Nesta semana, quando cheguei, bem cedo, os funcionários da portaria diziam: “Ele disse bom-dia". E repetiam quase que atônitos: "Ele disse bom-dia". Entrei na sala de musculação, e os comentários de alguns professores iam na mesma direção: "Que estranho. Ele disse bom-dia". Gosto da prosa, mas não dedico muito tempo a investigar vidas alheias; entretanto, curioso, quis saber. Contaram-me que um homem, que nunca cumprimentava ninguém, entrou na academia dizendo bom-dia. Apenas uma vez. Mas pegou todos de surpresa. Uma funcionária havia dito que, no início, todos diziam bom-dia a ele. Depois, acharam deselegante incomodá-lo, já que ele não respondia. E, naquele dia, ele, enfim, dissera bom-dia. Parece estranho um simples dizer causar tanto movimento nos movimentos cotidianos. A ausência de polidez é um desperdício na ar...

A primavera (2° parte)

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O mais velho era advogado renomado. O mais novo ocupava o seu tempo como atendente da Tabacaria Domênica. Sempre que podia, eu arriscava atravessar a Rua Domingos de Freitas para observar as miudezas da vitrine. Era ali que nossos olhos se encorajavam para o pecado do encontro. Não havia dissimulação. A vitrine nos nos congregava. Era como se ele tivesse o poder de nos proteger da culpa. Não havia palavra. Dizíamos tudo com os olhos. Eu pedia perdão por não ter coragem de enfrentar meu pai. Ele perdoava. Ele pedia que eu compreendesse a sua incapacidade de trair seu irmão. Eu compreendia. Eu jurava amá-lo até o fim dos meus dias. Ele confirmava o juramento.   Numa manhã de sexta-feira, dia em que a alma parece querer mais que o comum de todos os dias, Alberto surpreendeu-me com um gesto quase cheio de voz. Vendo que eu atravessava a rua para ficar diante da vitrine da tabacaria, correu, estendeu  os braços para dentro da vitrine e retirou um retalho de tecido, deixado á amo...

A Importância de Lutar Pela Nossa Relação.

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Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar também.Tá me entendendo? Eu sei que sim. Eu entro nesse barco, é só me pedir. Nem precisa de jeito certo, só dizer e eu vou. Faz tempo que quero ingressar nessa viagem, mas pra isso preciso saber se você vai também. Porque sozinha, não vou. Não tem como remar sozinha, eu ficaria girando em torno de mim mesma. Mas olha, eu só entro nesse barco se você prometer remar também! Eu abandono tudo, história, passado, cicatrizes. Mudo o visual, deixo o cabelo crescer, começo a comer direito, vou todo dia pra academia. Mas você tem que prometer que vai remar também, com vontade! Eu começo a ler sobre política, futebol, ficção científica. Aprendo a pescar, se precisar. Mas você tem que remar também. Eu desisto fácil, você sabe. E talvez essa viagem não dure mais do que alguns minutos, mas eu entro nesse barco, é só me pedir. Perco...

NO CORAÇÃO DE QUEM ESCREVE É SEMPRE INVERNO

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Nem todas as palavras saem como ou quando deveriam. Lembro-me de um dia ter me perguntado se era possível escrever no verão, no auge de um dia quente. Questionei também se o nosso organismo tem algum termostato ou qualquer outro dispositivo interno que acione as nossas palavras em função do clima externo.   Saudade , por exemplo, não combina com temperaturas acima de vinte e dois graus. Caso contrário, ela derreteria tal qual sorvete de pistache. E, cá entre nós, quem vai se dar ao trabalho de sentir saudade quando se tem um dia lindo pela frente? Vá à praia! Mergulhe! Esfrie a cabeça! Espere o inverno para senti-la. Indo além,   Realidade   é uma palavra que eu só usaria se o termômetro da rua apontar 42º. Não menos. Ela fica no ponto, naquela temperatura quase insuportável, mas que te deixa um pouco de ar para refletir sobre ela. A realidade é foda. Por outro lado,   Ausência   se adapta tão bem com o mês de dezembro na Sibéria. Aliás, em Paris – fica mais...

Cecília Meireles

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O que amamos está sempre longe de nós O que amamos está sempre longe de nós: e longe mesmo do que amamos - que não sabe de onde vem, aonde vai nosso impulso de amor. O que amamos está como a flor na semente, entendido com medo e inquietude, talvez só para em nossa morte estar durando sempre. Como as ervas do chão, como as ondas do mar, os acasos se vão cumprindo e vão cessando. Mas, sem acaso, o amor límpido e exacto jaz. Não necessita nada o que em si tudo ordena: cuja tristeza unicamente pode ser o equívoco do tempo, os jogos da cegueira com setas negras na escuridão. Cecília Meireles, do livro "Solombra". Fonte: Internet 

DIÁRIO DE ISABELA FREITAS

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Sempre escutei das pessoas que tenho muita sorte. Mas espera aí: O que é sorte? Sorte é ter um amor pra chamar de seu, um bom emprego, amigos de verdade e uma família constituída? Ou sorte é ganhar na Mega-Sena, encontrar petróleo e conhecer seu ídolo? Não sei. O que quero dizer é que o conceito de “sorte” é tão subjetivo que eu não acredito que ele realmente exista. Algo que me diferencia das outras pessoas é que eu sempre acreditei. Acreditar, é disso que o mundo está precisando. Quem não acredita se tranca dentro de si, repele pessoas, sentimentos e oportunidades. Portão fechado não é convite para novidades. Acreditar é tão fácil, simples e mediato… Não entendo por que as pessoas simplesmente não acreditam. Acreditar que hoje vai ser melhor do que ontem e levantar com um sorriso no rosto não requer esforço algum. Dane-se o que dizem sobre expectativas, sou otimista. Não estabeleço metas, objetivos, muito menos planejo o futuro. Mas sei que uma hora ou outra, a vida vai me re...