A princesa, o cafajeste e o garoto da fazenda (Trecho de livros)

STAR WARS: UMA NOVA ESPERANÇA COMO VOCÊ NUNCA VIU 


INTRODUÇÃO E sta história começa como muitas outras: há muito, muito tempo, em um lugar muito além das estrelas brilhantes que você vê à noite no céu. Durante a Velha República, centenas de sistemas estelares conviviam em paz e prosperidade, protegidos por uma antiga ordem de guerreiros: os Jedi. Mas uma onda de escuridão tomou conta da galáxia de maneira implacável e aterrorizante, eliminando até os guerreiros mais poderosos. Agora, um Império do mal governa as estrelas, extinguindo lentamente os últimos vestígios de luz e de esperança. Apesar das circunstâncias adversas, um grupo de rebeldes ainda resiste. Depois de conquistar sua primeira vitória contra o Império, os rebeldes estão preocupados com os relatos sobre uma arma poderosa o bastante para destruir planetas inteiros — e eliminar qualquer esperança de liberdade que ainda exista.  Mas, como você bem sabe, os heróis surgem nos lugares mais improváveis, nos momentos mais inesperados. Esta é uma história sobre destino. Sobre estar no lugar errado na hora certa. Sobre coragem. E, sim, sobre uma força mais poderosa do que a imaginação. Mas é também a história de uma princesa, um cafajeste e um garoto da fazenda. Não, eles são muito mais que isso. Talvez eles o surpreendam. Talvez eles surpreendam a si próprios. Talvez eles sejam os heróis de que a galáxia precisava esse tempo todo.


Um 


Leia   não era a garota que eles imaginavam. Aquela garota poderia ter feito o plano dar certo. A tripulação da Tantive IV acreditava que a senadora Leia Organa seria capaz de tirá-los da enrascada em que os havia metido. Mas o plano dela tinha dado errado, muito errado. Não havia uma única saída, nenhuma maneira de salvá-los. Ela os decepcionara, e havia apenas uma esperança para garantir que a missão seguisse adiante. Leia nunca estivera nos corredores de acesso da nave. Eles foram projetados para que droides e técnicos se locomovessem sem atrapalhar a tripulação. O som da batida de seu coração era quase mais alto que o das botas enquanto corria, e Leia achava que não encontraria ninguém trabalhando ali. Os corredores sombrios de metal eram iluminados apenas por poucas luzes vermelhas, e em alguns trechos eram tão apertados que ela mal 19 conseguia passar sem rasgar o vestido. Que droga! Entre todas as cores existentes no universo, por que ela escolhera se vestir justo de branco? Ela se destacava na escuridão como o núcleo de um reator. Um alvo fácil. Será que estava realmente tão frio lá dentro ou era a mente dela pregando peças de novo? Uma explosão ensurdecedora cortou o silêncio, sacudindo as estruturas da nave. Leia foi atirada contra uma parede cheia de circuitos e tubos e perdeu o fôlego. Os sons estridentes de disparos de pistolas laser e de passos pesados trovejaram em seus ouvidos, abafando os gritos dos tripulantes que tentavam conter a invasão. Tinham sido pegos. E parecia que aquele combate violento estava acontecendo bem acima da cabeça de Leia. A garota correu ainda mais, até os pulmões queimarem. Isto tudo é culpa minha, ela pensou, as lágrimas ardendo nos olhos. Disse ao meu pai que era a MINHA missão. Só queria que ficasse orgulhoso. Leia só queria ajudar a Rebelião. Por que membros da tripulação tinham que morrer para salvar outras vidas? O pai de Leia não queria que ela aceitasse a missão. A garota viu isso estampado no rosto dele. — Não duvido das suas capacidades nem por um minuto. Assumindo todas essas responsabilidades… Você se tornou uma estrela brilhante, é notável. Mas isso é muito perigoso, Leia. Leia tinha se esforçado para controlar seu temperamento. 20 “Uma estrela”. Em outras palavras, uma coisa bonita. Algo para ser admirado à distância. A princesa de sorriso forçado em que suas tias tinham tentado transformá-la durante toda a vida. Alguém que ignoraria os apelos de uma rebelião desesperada por ajuda para conseguir informações. Ela amava as tias do fundo do coração, mesmo quando tinha vontade de jogar tudo para o alto durante as insuportáveis aulas de etiqueta e fugir para se juntar a um circo galáctico, só para não ter que ouvir outra lição sobre as diferenças entre uma colher de sopa e uma colher de sobremesa. Um dia Leia seria rainha de Alderaan como sua mãe tinha sido. Mas aquele dia estava muito longe, e havia coisas mais importantes a aprender para se tornar uma governante justa do que a maneira correta de acenar para seu povo. Suas tias foram contra a entrada de Leia no Senado Galáctico e enfrentaram tanto a garota quanto o pai dela. Preferiam vê-la em seus aposentos escovando o cabelo e sonhando com qual príncipe chato iria se casar em vez de vê-la em uma bancada do Senado tentando promover mudanças e reformas concretas. A imprensa foi ainda pior, alegando que ela era “uma princesa brincando de gente grande”, e não uma verdadeira diplomata e política. Viam a imagem que as tias tinham moldado para Leia, e não a pessoa que se tornara graças às instruções do pai. Não importava quantas vezes ela viajasse por toda a galáxia para ajudar quem estivesse sofrendo. Mesmo assim — mesmo assim  — a mídia se recusava a ir além do rótulo de “princesa”. Certa vez ela estava atravessando uma aldeia que as forças imperiais tinham reduzido a cinzas carregando um bebê wookiee órfão, e a primeira pergunta que os repórteres do Sistema Central fizeram foi: “Quem desenhou a roupa que está usando?”. E não “Por que estamos aqui?” ou “O que a galáxia pode fazer para ajudar?”. A única coisa em que Leia tinha sido bem-sucedida em seu tempo no Senado fora irritar o imperador, como uma queimadura solar que se recusava a desaparecer. Ela havia entrado na câmara pronta para lutar contra qualquer um que ficasse em seu caminho, mas o que tinha visto a surpreendera mais do que ter de bater de frente com um adversário: ninguém parecia se importar. Ou, pelo menos, ninguém queria testar a paciência do imperador. Ela não entendia como alguém podia ficar sem fazer nada no Senado sabendo dos crimes cometidos na Orla Exterior. Campos imperiais de interrogatório. A execução a sangue- -frio de supostos traidores. Cidades inteiras destruídas nas chamadas “purificações” de Darth Vader. Segundo ele, aparentemente todos os planetas precisavam ser “purificados” das ideias que se assemelhassem à democracia ou à esperança. Isso a deixava enojada. Ainda podia sentir o cheiro dos restos dos edifícios e das vidas carbonizadas. Podia ver as crianças recém-órfãs enfileiradas para serem… o quê? Vendidas como mão de obra para quem oferecesse o maior valor? Enviadas para as minas de especiarias de Kessel? Leia fora repreendida e silenciada todas as vezes que tentara exigir respostas no Senado. Ela queria gritar, dar um chacoalhão neles, forçar seus colegas a ver o que ela tinha visto. Mas eles se recusavam. Alguns lhe disseram para voltar para casa, aproveitar a vida do palácio. Leia percebeu que não importava o que dissesse ou o quão alto gritasse. Ninguém a estava escutando. Então, quando Leia ficou sabendo da Rebelião, não hesitou em participar — para ser reconhecida pelo que podia fazer, e não por quem era. Para realmente ajudar a galáxia. Aquela era sua chance de se mostrar digna e provar a si mesma. Pensou que seu pai, acima de tudo, fosse compreender isso. Roubar planos ultrassecretos do Império era um risco, mas ser desprezada como se fosse um brinquedo inútil a deixou mais determinada. A missão deveria ter sido simples. Tudo o que precisava fazer era interceptar uma transmissão sobre uma nova estação bélica do Império que estava sendo construída. Mas o sistema estava cheio de imperiais. Não tinham engolido a mentira de Leia sobre sua nave ter quebrado. A história lhe dera tempo suficiente para fazer o download dos planos técnicos da chamada “Estrela da Morte”. Apesar dos esforços rebeldes para despistar os imperiais no hiperespaço, o monstruoso Destróier Estelar conseguiu alcançá-los. E Leia soube que não haveria escapatória no momento em que a nave se identificou como Devastador. Era a nave de Darth Vader. Ela correu ainda mais, esquivando-se pelas sombras e jatos de vapor quente. A mão dela segurava firme o cartão de dados quando fez uma curva brusca. Então alguma coisa prateada chamou sua atenção. Um droide. Na verdade, um droide astromecânico. Graças às estrelas. Seu plano tinha uma chance de dar certo. O droide parecia uma unidade R2. O corpo cilíndrico e curto tinha uma cabeça em forma de cúpula coberta por painéis azul-escuros. Um único indicador alternava o brilho entre vermelho e azul enquanto o droide deslizava para longe. — Droide! — Leia chamou, escondendo-se em uma fenda escura. — Droide! Vem cá! A cabeça girou na direção dela e deixou escapar um bipe amigável e questionador. O droide se aproximou, deslizando em suas três pernas, e Leia se ajoelhou para ficar na mesma altura dele. Por mais que odiasse admitir — e realmente odiava —, Leia estava grata por suas tias terem passado anos treinando-a para falar em público, de modo que, como princesa ou rainha, pudesse fazer discursos sem se envergonhar. Tinha que elaborar uma boa mensagem na primeira tentativa. Simplesmente não havia 24 tempo para refazer. Leia fechou os olhos por um momento, respirando fundo do jeito que suas tias tinham ensinado. Quando falou, ficou orgulhosa de como as palavras foram claras e cuidadosas. — Comando de voz. Alternar para o modo de gravação holográfica. Confirme, R2. O droide emitiu um bipe em resposta. Era o bastante. Leia ficou em pé e se afastou. — Começar a gravar… agora. — Limpou a garganta, assumindo o tom aristocrático que as tias adoravam, aquele que tanto usara no Senado. — General Kenobi, anos atrás você serviu meu pai nas Guerras Clônicas. Agora ele lhe implora para ajudá-lo na luta contra o Império. Lamento não poder apresentar o pedido do meu pai pessoalmente, mas minha nave foi atacada e receio que minha missão de ir até Alderaan não possa ser cumprida. Admitir o fracasso fez com que as palavras tivessem um gosto amargo na boca. Embora ela e a tripulação da Tantive IV tivessem obtido as informações e chegado a Tatooine, ela não conseguiria completar a segunda parte da missão. Seu pai tinha pedido que ela procurasse um velho amigo, um tal de general Kenobi. Nas palavras do próprio pai: “Uma guerra precisa de guerreiros para lutar”. Kenobi era um famoso cavaleiro Jedi, e tinha partido para um exílio secreto no remoto planeta desér-  tico para evitar ser dizimado como o resto de sua ordem. Leia continuou, apressada: — Coloquei informações cruciais para a continuidade da Rebelião na memória desta unidade R2. Meu pai vai saber recuperá-las. Você precisa levar este droide em segurança para Alderaan. Este é um momento de grande desespero para nós. Ajude- -me, Obi-Wan Kenobi. Você é minha única esperança. Leia parou, desejando se sentir mais aliviada por ter concluí- do a mensagem. Mas aquele era apenas o começo da tentativa de salvar sua missão, e ela odiava colocar informações valiosas sob responsabilidade de um droide — que nem sequer tinha mãos! — Encerrar a gravação. Agora vem a parte difícil de verdade. Unidade R2, você vai entregar a mensagem e as informações que estou prestes a carregar apenas para Obi-Wan Kenobi. Ele está no planeta logo abaixo de nós, fora da civilização. Procure por ele, e só por ele. O droide balançou nas duas pernas de trás, apitando seu entendimento. — R2?! R2-D2! Onde você está? Leia virou para procurar a origem daquela voz. Apertou os olhos e mal pôde distinguir a forma humanoide de um droide dourado de protocolo. — R2! Foi só então que Leia reparou no silêncio. Os disparos e 26 gritos haviam parado, e uma parte dela tinha a terrível desconfiança de que era porque não havia sobrado ninguém na Tantive IV para lutar. A batalha da tripulação havia terminado. A dela estava apenas começando. Leia inseriu o cartão de dados rapidamente no droide. — Precisamos dar um jeito de tirar você desta nave… Deve ter sobrado pelo menos uma cápsula salva-vidas. Está entendendo? A unidade R2 assobiou outra afirmativa. Leia apoiou a mão na cabeça lisa e redonda da máquina e fechou os olhos. Por favor, faça com que isso funcione… — Boa sorte e boa viagem. A imagem do planeta abaixo da nave projetou-se em sua mente. As dunas de areia intermináveis de Tatooine tinham um belo brilho quente, como um nascer do sol infinito. Enquanto o droide se afastava, Leia se dava conta do quanto ele teria que se esforçar para atravessar a areia com suas engrenagens. Mas ele ia conseguir. Leia cerrou os punhos, afastando o medo. — R2, finalmente! — gritou o droide de protocolo. — Procurei você por toda parte! Leia puxou o capuz sobre a cabeça, sacando cuidadosamente uma pistola laser que tinha escondido. Existia uma saída para ela; tinha que existir. Leia, assim como seu pai, se recusava a desistir diante das dificuldades. Só precisava de tempo para pensar. E um lugar seguro para se esconder. À medida que os barulhos 27 dos droides desapareciam, novos sons ecoavam até ela. Estalos de armaduras. Passadas duras. Vozes baixas. Stormtroopers. Leia recuou ainda mais nas sombras, segurando firme a arma para não tremer. Ela era a única segurança do droide no momento. Ainda havia tempo para criar uma distração boa o suficiente para que ele conseguisse alcançar uma cápsula salva-vidas e se lançasse para o planeta. Mas, pelas estrelas, ela não conseguia acalmar o ritmo do seu coração. Sua respiração soava alta até para seus próprios ouvidos. Não seria sua primeira vez em um tiroteio — nem sequer seu primeiro tiroteio naquele mês —, mas havia muita coisa em jogo. Não podia deixar que todas as mortes do dia fossem em vão. Estava com medo. De que a missão fosse um fracasso. De que a Devastador explodisse a cápsula do droide em um trilhão de pedaços. De que nunca mais pudesse voltar a Alderaan. De que a Rebelião fosse reprimida. De que nunca mais visse seu pai ou sua mãe. Mas o medo era um sentimento inútil. Precisava lutar, e a única maneira que conhecia para vencer o medo era invocando a raiva. Tudo o que tinha que fazer era pensar no olhar doentio do imperador. A risada estridente dele que arrepiava a pele de Leia como dedos gelados. Leia tinha encontrado o sapo velho do mal pela primeira vez logo depois de ter sido eleita senadora de Alderaan. Seu pai 28 iria apresentá-la ao imperador em Coruscant com todas as autoridades recém-eleitas. Enquanto suas tias tinham passado os dias que antecederam a viagem debatendo o penteado e o vestido que ela deveria usar, Leia listava suas queixas, as mudanças pelas quais lutaria. Queria jogar tudo na cara do imperador. Era a mais jovem senadora eleita e pretendia chamar atenção: dar uma pré- via da longa guerra que travaria pelo bem da galáxia. Não importava se ganhasse alguns inimigos no caminho. Mas enquanto ela caminhava até o trono escuro, o velho levantou a cabeça, revelando a pele pálida e enrugada do rosto. Seus olhos pareciam brilhar, penetrando a mente dela. As palavras ficaram presas na garganta e suor frio escorreu em seu pescoço. Leia mal ouviu o pai dizer seu nome, mal sentiu a mão que ele colocou sobre suas costas para guiá-la. O treinamento de boas maneiras e protocolo das tias já era tão intrínseco a ela que fez uma reverência — uma reverência! — automaticamente, sem perceber. — Vai ser bom — grasnou o imperador, um sorriso retorcido em seus lábios sem cor — ter um rosto tão bonito no Senado. E só. Para ele, Leia não passava de um objeto decorativo, como as estátuas da câmara. E a garota não tinha sido capaz de pronunciar uma única palavra de protesto. Só de pensar nisso sentia vontade de vomitar. Pronto. Assim era melhor. Um fluxo quente de raiva tomou conta dela. Seu foco se aguçou e mirou os stormtroopers que entravam no corredor por uma porta perto de onde estava.
— Vasculhem cada passagem e compartimento — o líder ordenou. — Vocês dois: verifiquem atrás daqueles condutores de energia. Para seu absoluto azar, a tubulação ao lado de Leia lançou um silvo de vapor alto, fazendo um dos stormtroopers virar para trás. — Espere. Acho que vi alguma coisa. Maldito vestido branco, pensou Leia, apontando a arma para o stormtrooper. — Ela está ali! Ajustem as armas para paralisar! Leia não ia ajustar a arma dela para paralisar. Ela disparou, atingindo o stormtrooper. Ele soltou um grito e caiu no chão. — Cuidado! Ela está armada! Atirem! Os disparos chamariam ainda mais a atenção. Tinha que correr e encontrar um esconderijo melhor para distraí-los mais um pouco. Mas no momento em que Leia virou de costas, sentiu como se tivesse sido atacada por um Destróier Estelar. O raio paralisante a atingiu por trás. Ela perdeu o controle das pernas e caiu de cara na grade áspera sob seus pés. Mil faíscas de luz piscaram nos olhos de Leia, cegando-a momentaneamente. Mexa‑se!, ela ordenou a si mesma, ainda que se sentisse impotente. Você ainda não está derrotada! — Ela vai ficar bem — ouviu um stormtrooper dizer. — Informe lorde Vader que capturamos uma prisioneira.

Dois 


 A os poucos, enquanto a colocavam de pé, Leia voltou a sentir os braços e as pernas. Parecia que seu corpo era feito de areia. Seus primeiros passos mais pareciam tropeços, como se toda a galáxia girasse ao seu redor. Os stormtroopers a cercaram, algemando-a. Pensavam que poderiam levá-la como prisioneira? Justo ela? Leia sabia que os outros senadores não se importavam muito com ela, mas estava ciente de que o povo se preocupava. Qualquer rumor de maus-tratos iria incendiar a HoloNet. Será que o imperador estaria disposto a correr esse risco? Ela sinceramente esperava que não. — C-como se atrevem? — disse cheia de raiva, a boca ainda dormente pelo efeito do raio paralisante. Embora tivesse a sensa- ção de que sua cabeça estava embaixo d’água, Leia se contorceu, dando cotoveladas e chutando o joelho do stormtrooper mais próximo. Em represália, os soldados a empurravam para a frente quando se recusava a andar. Leia sabia que tinha sido pega, mas não seria uma prisioneira passiva. O corredor principal da nave era ofuscante comparado às escuras passagens interiores. Fumaça da batalha preenchia o ar. Toda vez que Leia inspirava, seus pulmões queimavam com o forte odor de ozônio deixado pelos disparos das pistolas laser. E havia corpos por toda parte. Tinham sido deixados onde caíram. Os ferimentos e as expressões sem vida reviravam o estômago de Leia. Não queria ver aquilo. Aquelas pessoas eram o seu povo, e ela as levara para a morte. Não havia nenhuma maneira de consertar aquilo, nenhuma forma de melhorar a situação. Leia se forçou a olhar para lembrar. Precisava contar às famílias daquelas pessoas, precisava… A culpa é minha, ela pensou, é minha culpa. Leia, a senadora, ou até mesmo Leia, a princesa, poderia justificar as mortes como um sacrifício necessário. Mas lá no fundo, a garota se esforçava para não gritar. Darth Vader estava de pé no final do corredor. A altura imponente e os ombros largos quase escondiam o buraco da explosão que os soldados causaram para entrar na Tantive IV. Havia muitos stormtroopers ao redor dele, as armaduras estalando como exoesqueletos de insetos. Darth Vader era o braço direito do imperador, então havia um nítido contraste entre ele e os  demais soldados. A armadura, a capa esvoaçante e o capacete eram tão escuros quanto as marcas de queimado nas paredes. A seus pés estava o corpo retorcido do capitão Antilles. Leia podia ouvir o chiado da respiração de Vader enquanto os storm‑ troopers a empurravam para a frente, mas não conseguiu detectar qualquer sinal de vida do capitão. Até ele? Leia tinha certeza —  ou pelo menos esperava — que manteriam o capitão vivo para interrogatório. Ela havia contado com o apoio constante do capitão. O peito dela ficou apertado com o choque e a dor. Seus pensamentos se apagaram por um instante, tomados pela angústia e pela raiva. O capitão Antilles tinha sido um líder extraordinário, rom‑ pido inúmeros bloqueios imperiais para obter suprimentos para a Rebelião. E a tripulação era tão jovem… Tantas vidas desper‑ diçadas em minutos. Leia não podia suportar aquilo. A guerra vai continuar sem mim, o capitão Antilles dissera. Mas não sem você. Naquele momento, porém, tudo parecia impossível. Sinto muito, ela pensou. Sinto muito mesmo. A cidadã Leia sentia‑se perdida, mas parte dela se recompôs ao encarar Darth Vader. A senadora Leia Organa já havia lidado com ele antes. Podia enfrentá‑lo novamente. Podia usar a tris‑ teza para se fortalecer na presença dele. Leia endireitou‑se, jogou os ombros para trás e escondeu o medo. Mas nunca era fácil ficar cara a cara com um pesadelo. Es‑  pecialmente quando era muito maior do que ela. Vader se incli‑ nou em direção a Leia e sua respiração quente e úmida se espalhou sobre o rosto dela. — Darth Vader. Eu devia ter imaginado. — Leia derramou em sua voz cada gota do ódio que sentia. — Só você poderia ser tão ousado. O senado imperial não vai se omitir em relação a isto. Quando souberem que atacou uma nave diplom… — Não brinque comigo, alteza. Desta vez, você não estava em uma missão de caridade qualquer. Passou diretamente por um sistema restrito! — Leia às vezes achava que ele tinha progra‑ mado a voz para soar tão profunda e estrondosa, como uma tem‑ pestade. Nenhum homem normal poderia falar de um jeito tão aterrorizante. Ele continuou: — Várias transmissões foram envia‑ das para esta nave por espiões rebeldes. Quero saber o que acon‑ teceu com os planos que mandaram. Leia tentou ignorar seu coração, que parecia galopar no pei‑ to. Àquela altura, o pequeno droide já devia estar longe, rumo a Tatooine, fora do alcance de Vader. Ela havia conseguido enganá‑ ‑lo, talvez pela primeira vez na história. Saber disso a ajudava a manter a calma. — Não sei do que você está falando — disse a princesa. — Sou uma integrante do senado imperial em uma missão diplomática. —  Você faz parte da Aliança Rebelde. É uma traidora! —  ele gritou. Virou para um stormtrooper que estava perto. — Leve‑a daqui! Seguindo a ordem, os stormtroopers a empurraram pelo bu‑ raco da explosão. Leia aguçou os ouvidos, tentando escutar o que um oficial imperial relatava a Vader. Conseguiu ouvir apenas al‑ gumas palavras: “devemos ter cuidado”, “o povo a adora”, “rebel‑ des”, “princesa”, “planos”. Droga! Vader sabia exatamente quais informações tinham conseguido. Mais do que nunca, a Rebelião e todos os seus membros — incluindo o pai de Leia — estavam em perigo. Sa‑ ber que a nave, a tripulação e ela mesma tinham caído na arma‑ dilha do Império por sua culpa causava a Leia uma imensa dor. Ao deixar sua nave pela última vez, só podia contar com a chan‑ ce de o pequeno droide salvar a todos.
 TRÊS

 U m dos muitos perigos de ter nascido na realeza — além de morrer de tédio durante as aulas das tias — era a constante ameaça de sequestro. Como sua mãe era a rainha de Alderaan e seu pai o consorte, dizer que eram ricos e poderosos era um grande eufemismo. Quando os cretinos mais desonestos e gananciosos saíam rastejando dos cantos mais escuros da galáxia à procura de vítimas, Leia era um alvo perfeito. Embora achassem terrivelmente impróprio para uma dama derrubar homens grandes e suados em ringues de luta-livre, suas tias concordaram com os pais de Leia que a autodefesa precisava se tornar parte do exaustivo treinamento de princesa assim que ela completasse dezesseis anos. Leia adorava a empolgação de se sentir fisicamente forte. Era a mesma sensação de frio na barriga que sentia cada vez que fazia algo útil para a Rebelião. Além disso, as aulas de autodefesa trou-  xeram consequências inusitadas. Por exemplo, poder esmurrar um manequim durante o treinamento tornava mais fácil para ela, no final da tarde, aprender dez maneiras diferentes de fazer uma reverência sem perder o controle e chutar a canela das tias. E um único conselho de seu instrutor tinha salvado sua vida muitas e muitas vezes: “Preste atenção”. Naquele momento, Leia manteve o foco e a mente clara, os olhos abertos examinando cuidadosamente o Destróier Estelar e cada soldado imperial ao seu redor. Haviam trazido a Tantive IV para um hangar que, claro, estava quase totalmente vazio. Leia ainda era integrante do senado, e Vader faria tudo ao seu alcance para abafar o incidente. Se ela tivesse que dar um palpite, ele seria capaz de destruir a nave dela e botar a culpa da “infeliz morte” em algum problema mecânico. Seu estômago se retorceu. Não, não a haviam matado na hora, mas Leia estava certa de que isso não tinha nada a ver com o fato de ser uma senadora ou uma princesa, e sim com as respostas que Vader esperava arrancar dela. O que aconteceria depois que ele percebesse que ela não contaria nada sobre a Rebelião? Leia preferia se jogar no vácuo congelante do espaço a trair seu pai e seus colegas rebeldes. Ela tinha que sair dali; a verdade tinha que sair dali. Se conseguisse chegar até Tatooine e encontrar o droide e o general Kenobi, ainda poderia salvar a missão. Ou pelo menos dizer a seu  pai que ainda estava viva. Leia estava sendo consumida pela necessidade de provar que não tinha falhado completamente com ele ou com a Rebelião. Nunca iria se deixar afundar no desamparo em que o senado tentara afogá-la. Ainda havia muito a fazer. O interior do Destróier Estelar combinava com o governo do imperador: frio e eficiente. Projetado com elegância, tudo era branco ou preto. Não havia cinza no mundo do imperador. Havia ele e os outros, a sua maneira de fazer as coisas e nenhuma outra. Leia foi arrastada para o estreito tubo prateado de um elevador que a lançou, junto com seus acompanhantes, até uma passarela a uma velocidade vertiginosa. Tentou se esquivar dos ombros largos e das armaduras brilhantes dos stormtroopers para ver o que existia abaixo. Parecia uma série de hangares. Cada uma das enormes câmaras tinha tetos absurdamente altos e portas de metal enormes para poder abrigar outras naves. Daria pra colocar toda a população de alguns planetas aqui, pensou Leia, chocada com o tamanho do lugar. Viu faíscas saltando enquanto engenheiros trabalhavam no conserto de naves; droides transportando peças de máquinas pesadas que nenhum homem conseguiria levantar; e fileiras de tropas em ordem. Comparado com os outros, o hangar que havia recebido a Tantive IV era menor, mas estava cheio de stormtroopers e oficiais imperiais. Mas foi o terceiro hangar pelo qual passaram que chamou a atenção de Leia. Havia dois transportadores atra-  cados, e apenas uma equipe empurrando carrinhos de suprimentos em direção a eles. Alguém está se preparando para uma viagem, ela pensou. Sua mente trabalhou na velocidade da luz e ela viu seu plano de fuga se desdobrar como se o próprio imperador tivesse desenrolado um tapete vermelho para ela. Sim! Sentiu uma pequena sensação de vitória. Podia trabalhar com aquela possibilidade. Seu espírito se iluminou pela primeira vez em horas, e sentiu a pressão sobre seu peito diminuir. Os transportadores seriam abastecidos. E equipados com armas. Poderia abrir caminho a tiros, e no momento em que percebessem o que estava acontecendo, já estaria atravessando a atmosfera de Tatooine. Tomem isso!, queria gritar para os outros senadores. Estava prestes a provar exatamente do que era capaz se a deixassem ao menos tentar. Sua adesão à Rebelião ainda era muito recente. Precisava da missão para mostrar sua dedicação e até onde iria por eles se lhe dessem apoio para chegar lá. Uma fuga debaixo do nariz de Vader iria solidificar ainda mais o vínculo dela com a causa. Ninguém seria capaz de negar que ela era uma combatente e merecia ser ouvida — nem a imprensa, nem as tias, nem mesmo seu pai. Se a nave em que eu estiver não for abatida antes, pensou. Não, ela conseguiria. Teve anos de treinamento de voo. E, bem, havia todas aquelas dunas para se esconder. Queria ver se Vader ia gostar de ter areia em sua armadura. 39 Leia encontrou sua oportunidade quando dois de seus acompanhantes se separaram e se dirigiram para uma sala de comando próxima, possivelmente para começar o processamento para levá-la ao bloco de detenção. Leia permitiu que os outros a levassem para outro elevador. As portas mal tinham fechado quando ela, mesmo com as mãos atadas, conseguiu bater com força no painel de controle, parando o elevador. Os stormtroopers perderam o equilíbrio, dando-lhe a chance de roubar uma de suas armas laser e atirar. — Pare! Tarde demais para isso, idiota, pensou Leia, encarando os rostos atordoados. Nenhum dos dois tinha a chave das algemas. Ela estendeu a mão para puxar um grampo de seu cabelo e tentou abrir a fechadura eletrônica. Como se as algemas fossem um grande obstáculo… Leia poderia fugir dali mesmo cega, surda, e com braços e pernas amarrados atrás das costas. Assim que a porta do elevador abriu, Leia saiu e examinou o salão vazio. Virou e disparou um tiro no painel de controle do elevador. As portas rangeram em protesto, fechando e abrindo no pé de um dos stormtroopers. Leia soprou uma mecha de cabelo do rosto aborrecida enquanto chutava o pé do soldado para dentro do elevador. A porta fechou. Leia ficou encostada na parede do corredor, a alguns passos da entrada do hangar. O ar na nave era seco e muito frio, mas 40 Leia suava sem parar. Com o coração acelerado, observou os engenheiros atravessarem a porta do hangar, conversando em voz baixa. Viraram na direção oposta, afastando-se dela. Leia ainda estava segurando a arma roubada quando entrou no hangar e correu até o transportador. A rampa de embarque estava abaixada. Sua mente avaliou os perigos rapidamente, como se encarasse as cartas de um baralho sabacc. Se não houvesse ninguém a bordo, poderia simplesmente partir. Se alguém estivesse a bordo, precisaria paralisá-lo, mas poderia usá-lo como refém. Pelas estrelas! Suas tias teriam um ataque do coração se ouvissem aquela ideia, tão imprópria para uma princesa. Duas ou três pessoas lá dentro representariam um desafio maior. O pensamento e seus passos pararam ao mesmo tempo. No topo da rampa de embarque, com as mãos nos quadris, estava Darth Vader, tão firme e imponente como as montanhas de Alderaan.

Fonte: Editora Seguinte

Sobre o livro 


Título original
STAR WARS: THE PRINCESS, THE SCOUNDREL, AND THE FARM BOY
Tradução
Álvaro Hattnher
Páginas
264
Formato
15.70 x 23.00 cm
Peso
0.47000 kg
Acabamento
Brochura
Lançamento
22/09/2015
ISBN
9788565765770
Selo
Seguinte

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